Famílias são células sociais que carregam em si uma autonomia com relação ao organismo social, ao mesmo tempo que estão integradas essencialmente ao meio. Assim, cada família é em si, um núcleo que promove a sobrevivência dos seus membros e membras, oferecendo os recursos materiais, como alimentação e moradia e recursos imateriais necessários à existência, tais como proteção e afeto.
No entanto, esta mesma família que promove os laços afetivos também é palco de grandes desafetos capazes de marcar negativamente a evolução dos seres humanos.
É na família que temos nossas primeiras experiências e lá aprendemos também, que a convivência entre os seres humanos, mesmos aqueles com os quais temos laços sanguíneos é algo que envolve diversos dilemas, problemas e violências das mais diversas possíveis.
Nós seres humanos, de acordo com a psicanálise freudiana, temos nosso eu cindido. Isso significa que nossa mente é palco de diversos paradoxos e dilemas existenciais que revelam nossa complexidade em nos compreender, compreender os outros e vivermos relações saudáveis. E, dentro da nossas casas, desprovidos das máscaras sociais que usamos para nos proteger, nos revelamos na nossa humanidade nua e crua.
Foi no contexto da família que Caim matou Abel, Jacó roubou a primogenitura do irmão e Rubem transou com a esposa do pai. Certeza que vocês não se chocaram com essas históricas descritas na Bíblia porque ela não reflete uma realidade distante de nós.
Quantos de nós, mesmo que não tenhamos vivido experiências como as descritas acima, mas vivenciamos os mais diversos tipos de abusos e violência familiar? Tematizando melhor, algo que queremos idealizar com um grau de perfeição, vamos dar nomes mais específicos aos abusos e violências sob a forma de perguntas. Quantas vezes vimos? Crianças e adultos manipuladores, a fim de conseguirem o que querem a todo custo; Brigas violentas entre irmãos e irmãs; Agressões físicas e verbais entre pais, mães, filhos e filhas. Quantas surras levamos e às vezes sob métodos de tortura? Quantas traições presenciamos? Quantos assédios? Quantas injustiças? O quanto vimos alguns sendo mais favorecidos, outros menos? Quantas vezes fomos expropriados, humilhados e violentadas pelos que mais amávamos?
Certeza que muitas cenas passaram pelas nossas cabeças e muitas delas gostaríamos que fossem apenas um pesadelo e que não tivessem acontecido de fato. Mas, são reais e As Desmedidas estão aqui para desmistificar o ideal imaginário de família sempre feliz e unida que tanto serve para a indústria do marketing, seja para vender margarina ou belas casas em condomínios.
Segundo o relatório do Ministério da Saúde publicado em 2002, a violência intrafamiliar é um problema social de grande dimensão que afeta toda a sociedade, atingindo, de forma continuada, especialmente mulheres, crianças, adolescentes, idosos e portadores de deficiência. Só no primeiro semestre de 2021, foram registradas 50,1 mil denúncias, através do Disque 100. E, 81% dos casos de violência contra crianças e adolescentes ocorrem dentro de casa!
E, pasmem vocês que a maioria das violações é praticada por pessoas que deveriam nos fornecer afeto ao invés de desafeto. Não são primos e primas ou parentes mais distantes, mas é a mãe que aparece como a principal violadora, com 15.285 denúncias; seguido pelo pai, com 5.861; padrasto/madrasta, com 2.664; e outros familiares, com 1.636 registros.
Esses dados acima só mostram os registros de violência doméstica feitos pelo Disque 100, que é um serviço gratuito para denúncias de violações de direitos humanos. Mas também temos muito mais dados que comprovam que nossas casas são palcos de muita violência se considerarmos também as denúncias do Disque 180, que serve para registrar a violência contra a mulher e os registros das delegacias de Mulheres.
Diante deste cenário real, como nos proteger se o perigo mora nas nossas próprias casas? Ou, como ao menos melhorar a situação da violência familiar, já que entendemos que é um mal endêmico sem cura.
Precisamos quebrar o ciclo de violência, pois quanto mais somos violentadas e violentados tendemos a repetir esses padrões e normalizá-los. Muitos comportamentos inapropriados são resultado de uma aprendizagem e vivência nas relações familiares.
Os pais e mães são parte integrante fundamental da formação da nossa personalidade e embora todas as fases de vida ensejam conflitos devemos saber lidar com esses conflitos com empatia e afeto.
Temos a responsabilidade de nos ajudarmos mutuamente a sermos pessoas melhores e mais bem resolvidas. Os comportamentos disfuncionais e problemáticos dos filhos e filhas, por exemplo, não podem ser tratados com displicência e se delegar a tarefa de “consertar o problema” exclusivamente para a terapia.
Mas, a atitude superprotetora também atrapalha muito a evolução de muitas pessoas que não encaram seus problemas a fim de resolvê-los. É fundamental perceber o que precisa ser modificado no contexto familiar para que as ações que interferem nos comportamentos dos componentes que estão adoecidos sejam mudadas.
É preciso fortalecer os laços afetivos entre os componentes de uma família estabelecendo uma maior conexão entre os membros, para que sejam capazes de reconhecer as necessidades de cada um e pelo menos acolhê-las, se não puder atendê-las.
Precisamos também fortalecer os vínculos colaborativos dentro de casa. Pais e mães que chegam do trabalho e trabalham juntos nas atividades do lar e do cuidado das filhas e filhos promovem um aprendizado de alteridade e responsabilidade mútua. Mas, o que vemos comumente por conta da influência da cultura machista e patriarcal são relações permeadas pela desigualdade na divisão de trabalhos entre homens e mulheres, onde a mulher sobrecarregada é muito mais agressiva e arredia com suas crias e assim, tende a ser promotora de muita violência e mais injustiças contra os mais vulneráveis dentro da família, descontando nelas e neles o seus desafetos.
Mas, com afeto poderemos amenizar os desafetos.
Por isso: mais amor por favor!
Grande abraço!
Ellen, Paula e Rozi.
Muito interessante esse assunto!
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