Por que ele não me assume?













    Gosto de começar os textos, assim como também, de começar os episódios dos programas “As desmedidas” - veiculados no nosso canal do YouTube - com uma pergunta. Perguntas geram reflexões e elas são pontos de partidas para chegarmos às raízes dos problemas. Por isso, pergunto: por que ele não me assume? 
   Essa é uma questão bastante intrigante, porque envolve diversos aspectos distintos. Primeiro afirmamos na pergunta o fato de que ele - ou seja, um possível affair - (pessoa pela qual temos tido um relacionamento) não quer tornar um relacionamento público. Isso significa que, embora você tenha um relacionamento com alguém, esse alguém não faz questão de demonstrar que está com você em determinado relacionamento afetivo. 
     Mas, a questão que se segue é: por que eu me preocupo com isso? Por que isso é importante pra mim? Ele não te assume, no entanto, você acha que ele deveria te assumir e se angustia perguntando-se sobre os motivos pelos quais ele não te assume. 
   No entanto, antes de aprofundarmos mais nessa problemática precisamos focar no conceito de assumir. O que é assumir alguém? O conceito de assumir é o ponto central da pergunta que gerou esse texto. Assumir, de acordo com o dicionário Priberam é um verbo transitivo direto que significa: apropriar-se; tomar para si; apresentar; exibir.
    É muito intrigante observarmos o conceito de assumir e a sua complexidade, entendendo o quanto que essa palavra e queixa: “por que ele não me assume”, está intrinsecamente ligada à cultura patriarcal e ao machismo estrutural e o quanto sofremos por conta destas falsas necessidades. 
    Há uma queixa muito frequente por parte de muitas mulheres, reclamando o fato de que muitos homens não as exibem, não as apresentam, ou não querem apropriar-se delas. Um fato curioso é que existe aí uma inversão de valores. Somos nós quem queremos que tais ações sejam executadas, quando deveríamos querer que não fossem. Por que eu gostaria de ser assumida por alguém, se ser assumida significa que se apropriarão de mim, me exibirão e me apresentarão por aí, como sendo sua? 
   Ainda tenho mais perguntas que me intrigam: por que eu gostaria que ele me assumisse? Por que muitas de nós mulheres precisamos e gostaríamos que os homens nos assumissem? Ou ainda, qual a necessidade de ser assumida por um homem? Por que ser assumida é importante para a mulher? Se ser assumida por um homem não fosse realmente importante para uma mulher, não ouviríamos tantas mulheres se queixarem do fato de homens não as assumirem. 
   Cabe a nós aqui nesse artigo, investigar um pouco melhor a raiz dessa nossa vontade e necessidade de ser assumida por um homem. Essa vontade e necessidade que as mulheres têm de ser assumida, não é uma vontade meramente individual, mas me parece ser uma vontade coletiva, que caracteriza o gênero feminino. E isso tem a ver com a cultura machista e patriarcal que vivemos. 
   A pseudo necessidade de ser assumida é uma ideia que foi desenhada culturalmente para pertencer à mentalidade feminina. Numa sociedade machista, na divisão do trabalho e das relações de poder, a superioridade é dada ao homem, que se torna o provedor e as mulheres são meramente, as providas. Sendo assim é o homem quem deve assumir a mulher, apropriar-se dela e assim poder valer-se dela como a sua propriedade. Sim, é isso que estamos pedindo quando reclamamos que um homem nos assuma. Estamos dizendo que pertencemos a eles e queremos que eles exponham isso publicamente.
     Patrícia Rocha, no livro Mulheres sobre todas as luzes, diz que: “no sistema patriarcal, as mulheres nascem com destino traçado. As jovens são educadas para corresponder aos respectivos papéis de esposa zelosas, boas donas de casa e mães dedicadas em tempo integral (...) somos educadas para o silêncio, a resignação e a obediência. Essa submissão e dependência ficaram embrulhadas na embalagem atraente do romantismo. Assim, os estereótipos femininos dizem que ela precisa ser passiva, frágil, dependente e protegida, anulando-se para corresponder às expectativas do outro.” 
   Essa citação acima explica muito porque nos comportamos ainda, a partir deste parâmetro da dependência e submissão, ao ponto de clamarmos penuriamente, por sermos assumidas. 
    Vale a pena refletirmos sobre a pergunta: alguma de vocês já ouviu algum homem reclamar porque a mulher não o assume? Será que isso é um problema que povoa a cabeça masculina? Rapidamente concluímos que pesa às mulheres essa queixa de não serem assumidas. 
   Mas, nós mulheres, precisamos entender que não precisamos de sermos assumidas por ninguém, uma vez que já assumimos o protagonismo da nossa própria história e vencemos o padrão de subserviência e dependência afetiva e material. 
   Quem quiser conosco a existência compartilhar, não precisa necessariamente nos conduzir ou nos levar porque já sabemos caminhar e encontramos o nosso lugar. E juntas e juntos podemos caminhar, podendo na mesma estrada caminhar, sem precisar carona pegar.

      Avante, sem deixar que outros nos tomem a direção da nossa própria vida! 

                                                                                                                           Ellen Maianne S. Melo

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