Loucura: um substantivo feminino?


   Esse texto tem como intuito nos fazer pensar sobre o termo loucura. Neste mês, em que a campanha Setembro amarelo é veiculada, urge falarmos mais sobre a problemática do adoecimento mental, tendo como foco um olhar feminino sobre as mulheres.
   O Setembro amarelo é uma campanha criada em 2015 com o objetivo de alertar a população sobre a gravidade do sofrimento mental que pode ser devastador e levar atitudes extremas e irreversíveis. Mas, o adoecimento mental ainda é frequentemente subestimado, pois muitas e muitos ainda acham que basta termos força de vontade e teremos saúde mental. Ou: é só parar de “pensar besteira” ou, parar de reclamar da sua realidade. Assim, aceitar e não questionar parecem ser ordens que induzem a saúde mental, em contraposição à acusação de ficar inventando problemas. 
   Entretanto, o que hoje já temos certeza com base na ciência psicológica é que os transtornos mentais têm causas multifatoriais. O que somos pensamos ou sentimos são produtos de interação de diversos fatores ao longo da vida, como: a genética, que tem repercussão no nosso temperamento, o ambiente social, família, eventos estressantes (traumas), entre outros que se interligam.
    Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as mulheres sofrem mais de depressão do que os homens: 5,1% das mulheres no mundo e 3,6% dos homens sofrem de depressão. Quanto à ansiedade a diferença se amplia ainda mais. 4,6% das mulheres e 2,6% dos homens sofrem de transtorno de ansiedade 
   É comum também atribuir à baixa autoestima como a causa do sofrimento psíquico. Autoestima como conceito não existe dentro da ciência psicológica, mas sim, conceitos que entendemos que fazem parte dela, como: o autoconceito (o que eu acho de mim), autoimagem (como eu me vejo, incluído corpo físico) e autoeficácia (o quanto eu acho que sou capaz). A busca por uma boa autoestima é uma meta interessante, desde que você esteja alinhado com o que realmente necessita. Mas, muitas mulheres, por conta da cultura machista e patriarcal em que vivemos, sofrem mais as dores da baixa autoestima, pois somos educadas para termos que ser belas e agradáveis e atender as expectativas alheias. 
   Além do mais, ainda pesa à condição propícia do adoecimento feminino o componente biológico e o componente social. Nosso corpo passa por transformações ao longo da vida como adolescência, gravidez, menopausa, parto, que são impactantes na saúde mental. 
  Aliado a isso temos uma jornada de atribuições impostas socialmente que são fortes estressores. Esses fatores interligam-se com a subjetividade ou forma de ser e estar no mundo de cada mulher, com suas características pessoais que resultam em estatísticas que mostram que mais mulheres adoecem mais e, por que não dizer: enlouquecem? 
   Mas, o que a loucura? É importante salientar que loucura não é uma doença e nem tem CID (não está no cadastro internacional de doenças). Loucura, de acordo com dicionário Dicio: “é substantivo feminino. Qualidade de louco, desprovido de razão”. 
    Desta forma, loucura é mais um termo sociológico que se relaciona com a cultura e com fato de que determinados indivíduos não se encaixem dento dos parâmetros da normalidade e racionalidade pela qual aquela sociedade está estabelecida. 
   A pecha de loucas foi cunhada nas mulheres há muitos séculos atrás e servia para rotular as mulheres que tinham comportamentos subversivos ou “insanos” para a sociedade de uma forma geral, para grupos, ou mesmo para um único indivíduo.
   Por isso, para muitas mulheres que leem agora esse texto não é uma novidade já ter sido chamada de louca ou histérica, principalmente por um homem, no momento de uma discussão, por exemplo. Uma mulher louca no contexto do machismo é aquela que não tem razão. Que não pode ter razão. E, que se deixarmos, nunca teremos razão. 
   A pecha de loucas ainda nos assombra, tentando nos intimidar e calar. Mas, contra a pseudo "ordem natural” preestabelecida pela racionalidade patriarcal, nós mulheres, resistimos e seguimos desmedidas.

Ellen Maianne S. Melo e Paula Oliveira.

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